Ao longo das várias viagens que realizei, dentro e fora de
Portugal, denotei a existência de uma linha invisível, para lá da qual poucos
turistas se aventuram.
Numa cidade como Istambul, destino turístico de importância
mundial, onde residem mais de 14,5 milhões de habitantes, a linha é bem perceptível.
Acabo de entrar no metro de superfície no aeroporto Ataturk.
Muitos do meus camaradas ocidentais não seguiram os meus passos, preferindo
outros meios de transporte, tais como o transfer
ou o táxi. Outros tinham alguém à sua espera com um tablet na mão - Mr. Asdrubal! Dead
Mule Agency! - Longe vão os tempos do cartaz de cartão mal-amanhado,
rabiscado em cima do joelho.
Ao longo do meu trajeto o número de caras pálidas mantem-se
constante. Ninguém sai nem entra. Atravesso os subúrbios. Lá fora já está
escuro como um prego e o trânsito de hora de ponta, como dita a regra, é
caótico. Troco de linha. Vejo o ruído, as apitadelas, o caos, o fim do mundo.
Sigo viagem.
O metro penetra na cidade muralhada! Os prédios altos e
brutos dão lugar a pequenos edifícios de outros tempos, residência de
pastelarias e restaurantes. A moldura humana transforma-se. Grande parte dos
indígenas partiram deste território invadido por caras pálidas. Rebanhos de fiéis
seguem o seu pastor de espátula na mão, receosos de perder o seu líder de vista
e de se tornarem protagonistas de um filme de Hollywood- Rapto no Extremo Oriente.
Eminonu! Saio do metro! A azáfama continua. Na escuridão sobressaem
os néons dos barcos de venda de peixe
frito e dos restaurantes do piso inferior da ponte Galáta.
Dirijo-me a Yemi Camii( Mesquita Nova). Nova mas só em espirito e em nome. Afasto-me,
atravesso um bairro escuso, os meus camaradas ficam para trás, proibidos de
andar a pé na penumbra. Não vejo vivalma.
Após alguns metros de lojas fechadas, de ruas pejadas de
caixotes de papelão vazias, lembrando o mercado de Ourém, numa quinta-feira à
tarde. Atinjo a luz.
Lojas abertas, cafés, restaurantes, barbeiros, internet café,
supermercado da cadeia DIA. Há vida no outro lado da linha, mas rostos ocidentais
nem vê-los. Nada nem ninguém me perturba ou assedia. Sigo o meu caminho e a
vida continua com o seu dia-a-dia, sem uma única mulher à vista. Atinjo o meu
objetivo! Hotel Karsioglu!
Na manhã seguinte, repito os passos do dia anterior. Algo
está diferente. As ruas já não estão desertas, mas repletas de vendedores, é um
autêntico centro comercial a céu aberto repleto de lojas, com todo o tipo de
artigos, como por exemplo, uma especializada em cabides. Turistas nem vê-los, apesar
de me encontrar a 500 metros de Eminonu, poucos se aventuram para lá da
mesquita.
Vale a pena atravessar a linha invisível, pois lá no fundo
pode estar a cidade pela qual os primeiros aventureiros se apaixonaram antes da
chegada das massas.