Num destes fins-de-semana fui à cidade da Guarda, o melhor
local para se ir no inverno, já que é a cidade mais alta de Portugal bem perto
da gélida a Serra da Estrela.
Os objetivos foram claramente cumpridos. Fazer uma bela
viagem de comboio para acalmar o vício, conhecer uma bela cidade e comer boa
comida.
No entanto, quando ia caminho da torre de menagem, reparei
em algo estranho no cemitério. Um enorme mausoléu sobressaia entre campas e
jazigos.
Foi mais forte do que eu, após visitar a torre, ver a bela
paisagem da serra pintada de branco, contar aerogeradores em redor, tirar fotos
ao casario de pedra, às muralhas do castelo e à grandiosa sé da cidade, fui ao
cemitério.
Não se via vivalma, apesar de a manhã estar soalheira,
talvez por culpa do vento gélido que se sentia pouco convidativo para grandes
passeios. Bem no meio, lá estava o obelisco gigante, uma pirâmide autêntica
transladada de Guizé. Exagero um pouco, o túmulo não era assim tão grande!
Não restam dúvidas, estava perante alguém da maçonaria,
Francisco de Vasconcellos Sobral.
Na porta podia-se ler a seguinte inscrição:
“Ao Benemérito Medico Francisco de Vasconcellos Sobral,
1845-1888. Os seus amigos. Por subscrição pública por todo o país. “
Como pude investigar posteriormente, Francisco Sobral foi
efetivamente um médico, mais precisamente cirurgião do exército (como se pode
reparar no retrato por cima da entrada), que apesar de ser natural do Lisboa
era muito estimado pela população da Guarda, pertencendo a vários clubes
sociais e à maçonaria, e pelo povo da vila de Manteigas, onde foi voluntário
durante um surto de tifo.
Faleceu com apenas 43 anos, após cometer suicídio,
aparentemente por motivos sentimentais. Esta efeméride apanhou toda a população
de surpresa, mobilizando-se tendo realizado uma coleta nacional de modo a
recolher dinheiro para a construção desta sepultura, construída apenas alguns
anos mais tarde.
Francisco Sobral teve efetivamente direito a uma rua e um
largo.
O tempo foi passando e este homem caiu em esquecimento. O
largo mudou de nome e a rua nem placa toponímica possui, sendo mais conhecida
como rua do cemitério.
A poucos metros, mesmo na entrada do cemitério repousa
Augusto Gil, confesso que não sabia quem era mas após uma pequena busca aqui
vai o seu poema mais conhecido:
Batem
leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.~
É
talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…
Quem
bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui
ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a
através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…
Fico
olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…
E
descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…
Que
quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…
E
uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
Augusto Gil
Ao contrário do seu criador, a obra é imortal